quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Piratas também amam: Mary Read - para ler com mais idade

Piratas também amam: Mary Read.

Se gosta de histórias de piratas, pegue seu chá, seu cafezinho, seu pacote de biscoitos, sua cerveja água ou uísque, e sente-se confortavelmente, por que a história não é curta, sem ser longa. Vamos começar sem o famoso “Era uma vez...” Saiba, porém, que naquela época quem tomava banho três vezes ao ano era cheiroso(a), os perfumes eram raros e caros, morria-se de doenças desconhecidas, roupas grossas escuras e quentes serviam para diminuir a fedentina corporal. Em dia que a história não conta, homens cortaram as calças pelo joelho para diminuir o calor, criando as primeiras bermudas e mulheres jogaram fora certas partes de seu vestuário. Anne Bonny e Mary Read usavam calças

  1. Mary Read
Mary Read desde cedo usava roupas de menino. Não por opção sexual. Nascera na Inglaterra filha ilegítima da viúva de James Kid, um capitão do mar, e sua mãe não quis perder a pensão da sogra, que só era dada a filhos homens. Ela tinha um irmão mais velho, mas este morreu e ela herdou a pensão. Aos 13 anos foi admitida como pajem de uma senhora francesa muito rica, mas não agüentou o trabalho. Fugiu ou foi apanhada pelos recrutadores que palmilhavam as ruas em busca de jovens em idade de embarcar ou combater, porque era assim que se fazia recrutamento, e embarcou num navio de guerra. Combateu na Flandres na infantaria com grande ferocidade. Alistou-se mais tarde na cavalaria e se apaixonou por um soldado pouco tempo depois de confessar que era uma mulher. Casaram-se e compraram uma taverna na Holanda. A “The Three Horseshoes” – As três ferraduras próximo ao castelo de Breda. Quando o marido morreu, logo depois, Mary Read voltou a vestir-se como homem, tentou engajar-se no exército, mas não deu certo e embarcou para as Índias Ocidentais como marinheiro. Durante a viagem seu navio foi atacado pelo capitão Jack Rackham e feita prisioneira.  

  1. Anne Bonny
A família de Anne Bonny mudou-se para o novo mundo com a família. O pai era advogado. Casou-se com um marinheiro pobre de nome James Bonny. Marinheiros pobres eram os comuns, da Marinha de Guerra, ou da mercante. Só enriqueciam marinheiros de descobertas e piratas, mas pouco havia já para descobrir por aquela época. Diz-se que o marido de Anne não era muito valentão e era dos valentões que Anne gostava. Homens para ela tinham que ser destemidos, valentes, aventureiros, estarem sempre ávidos para manter relações sexuais, coisa que só acontecia com maridos durante os primeiros anos de casamento. E com as esposas, também. Além de descobrir novos mundos, Anne queria descobrir novos homens e se possível ficar rica, mesmo que lhe custasse a vida. Qualidade e quantidade era o que queria, queria o mundo. Largou o marido e foi procurar seus objetos de desejo, suas aventuras, em Nassau[1] nas Antilhas Holandesas. Apaixonou-se por “Calico Jack” Rackham, capitão de um navio pirata. Anne Bonny deveria ser uma mulher muito interessante sob todo e qualquer aspecto, sempre pronta, disponível, conhecedora dos desejos dos homens sem, contudo, agir de forma a lhe faltarem com o respeito. Ela sabia defender-se com pistola e espada como qualquer marinheiro belicoso e usava calças.


  1. Na prisão
Agora Mary Read estava grávida e febril. A seu lado na cela escura e fedorenta, coberta com palha, estava Anne Bonny, sua companheira, também grávida. As duas haviam sido capturadas pela esquadra britânica enquanto praticavam a pirataria nos mares do Caribe a bordo do navio pirata da esquadra de “Calico Jack” Rackham. Estavam condenadas à morte na Jamaica. Rackham, o terrível, era casado com Anne Bonny. Mary Read com Bartholomew Roberts que se transformara num valente e temido pirata a serviço de Rackham. A lei inglesa nunca falhava com prisioneiros, assim que tinham a morte como certa. Seria uma questão de poucos meses. A corte as condenara mas a sentença só seria executada após o nascimento das crianças. Uma semana depois de dar à luz uma criança que morreria poucos dias depois, Mary Read faleceu. A criança de Anne Bonny morreu também, mas o pai, rico, pagou-lhe a fiança e ela voltou para o marido que abandonara. Não deixa de ser interessante que Anne Bonny voltasse para o marido e que este a recebesse, mas não podemos esquecer que o pai de Anne era rico. Há quem diga que não se juntou ao marido, mas que foi viver com o pai. Faleceu em 1782.

  1. Certas coisas essenciais antes de prosseguirmos.

Histórias de piratas são sempre muito interessantes por que causam medo, temor, sem ser um medo ou temor real: Piratas já não existem e todo mundo sabe disso. No entanto, no apogeu dos navios exclusivamente à vela, eles foram terríveis, cruéis, a maioria não fazia prisioneiros nem poderia fazer: Não haveria mantimentos para todos, raramente tinham tripulação adicional para fazer navegar os navios apresados, e muitas vezes estes eram muito pesados, lentos. Piratas sempre tinham pressa. Normalmente afundavam os navios que conquistavam em batalhas sangrentas.

Algo que é necessário saber-se, é que a Inglaterra começava a tornar-se a Rainha dos Mares. Não querendo entrar em conflito com seus amigos e aliados europeus, a realeza inglesa permitiu e incentivou a pirataria que lhe dava grandes lucros. Visando lucros, sempre lucros, criou o sistema de fiança: Alguns crimes poderiam ser relevados em troca de bom e gordo pagamento. Mas pirata que não desse os lucros que deveria dar, ou prejudicasse pessoas erradas, tinha a cabeça posta a prêmio sem direito a fiança. Teremos mudado muito de lá para cá? Bem... Estamos falando de um período que vai desde 1645 a 1782.   

  1. O mar
O mar atraía e assustava. Atraía porque significava conhecer novas terras, olhares amplos e infinitos entre muitos tons de azul – do céu e do mar até verdes - aventuras, mudança! O mundo sempre quis mudanças nem que fosse de ares. E medo! Medo de fogos a bordo, de tempestades, de marasmos, de sede, de escorbuto. Principalmente de piratas. Só mulher bonita se salvava de um ataque pirata e mesmo assim não eram todas. Por vezes os piratas tinham que escolher. Os mares estavam coalhados de navios piratas e de navios de guerra que vasculhavam os mares em proteção a embarcações comerciais que transportavam ouro, especiarias, pérolas, sedas, açúcar, rum... E escravos! Por esta época, a Inglaterra era uma das principais potências no trafico de escravos, que só desistiu desse comércio por causa da revolução industrial.

  1. Os piratas que navegavam pelos mares.

Por essa época andavam nos mares os piratas mais famosos e terríveis de todos os tempos como William Kidd, Edward Teach, Bartholomew Roberts, Sir Henry Morgan, Bartolomeu Português, Jack Rackham, Anne Bonny, Mary Read e alguns outros sem muita expressão, entenda-se “sem expressão” sem causar tanto medo. Sem medo não pode haver aventura, sem aventura não se sai do lugar.

William Kidd era um elegante escocês que nascera em 1645 e fora feito comandante por sua tripulação exatamente quando perseguia piratas a serviço da Marinha. Fora líder como cidadão de bem em N. York, e após ter apresado uma embarcação da East Índia Company, seu maior feito, enterrou o tesouro na ilha de Gardiner. Apanhado em Boston foi para a Inglaterra e condenado à forca. Por duas vezes se livrou porque as cordas se romperam, coisa inadmissível para os serviços de sua majestade britânica, mas acabou sendo morto e seu corpo exposto, amarrado com correntes à beira do Tamisa em 1701.

Edward Teach era o famoso “barba negra”, talvez o mais famoso de todos. Inglês, nascido em 1680, tinha quatro embarcações e cerca de 300 marujos de primeira. Atacou e venceu o famoso HMS Scarborough e capturou mais de 40 navios mercantes, passou na espada muitos prisioneiros reféns. Tinha uma namorada de 16 anos, que queria dizer-lhe como agir e fazer. Embora mulherengo, deu a menina para entretenimento da tripulação e não há notícias dela. Numa batalha com a Marinha real, O Barba Negra foi decapitado e sua cabeça pendurada no rio Hampton como exemplo em 1718. Mas que exemplo, se a Rainha incentivava a pirataria? Nada diferente dos dias de hoje...

Bartholomew Roberts “Black Bart” nasceu na Inglaterra em 1682, e ainda pequeno sofreu ataque de piratas. Em vez de se inibir, foi eleito por sua tripulação e se transformou talvez no mais bem sucedido de todos os piratas, se é que se pode chamar a isso de sucesso: Capturou mais de 400 navios, uma façanha. Era admirado por sua tripulação que lhe chamava de “à Prova de Pistola”. Foi morto por um capitão também britânico, Chaloner Ogler, durante uma batalha naval em 1722. Talvez seja o mais admirado dos piratas.  


Anne Bonny era irlandesa e nasceu em 1700, cerca de 12 anos após a morte de Henry Morgan, que de tão bons feitos para a coroa britânica [2], foi agraciado com o “Sir” de cavaleiro, mas durante muitos anos ainda seria um exemplo para todos de um pirata bem sucedido. Morreu confortavelmente na Jamaica, porque viver na Inglaterra que antes da condecoração o condenara, era-lhe demasiado penoso por se sentir isolado e descriminado. Por outro lado, e sob o ponto de vista da corte britânica, que piratas se atreveriam a invadir a Jamaica com Morgan por lá? Anne Bonny conseguiu arranjar uma amiga em meio a tantos navios e ilhas cheios de piratas truculentos, sanguinários, interesseiros, dominadores. Esta é uma das histórias sobre ela: É como a imaginei dentro do contexto da época. A partir deste ponto, muito é verdade, um pouco é lenda, uma pitada é de imaginação.  

  1. O encontro.
Quando o navio onde Mary Read viajava a caminho das Índias Ocidentais foi  atacado pelo de Calico Jack, nem toda a tripulação foi dizimada. Mary foi escolhida para continuar a bordo como parte da tripulação de Rackham, o Calico Jack, que tinha Anne Bonny como companheira. Ambas sentiram uma atração mútua, e ficaram amigas. Talvez mais que uma simples e inocente atração, porque tudo a bordo era muito estranho, fora dos padrões da época. As duas vestiam calças, lutavam como homens. Bartholomew que se apaixonaria de forma mútua ou conveniente por Mary, gostava de se vestir com um casaco vermelho com estamparia de flores douradas e era religioso, usando um crucifico enorme pendurado do peito, coberto de diamantes [3]. Bartholomew Roberts, aliás, mantinha regras de bons tratos a mulheres a bordo, proibia o consumo excessivo de álcool e fazia rezar missa regularmente aos domingos. A impressão que se tem é que o terrível era o Rackham, realmente, e o passivo era Roberts [4]. Nada de admirar portanto que houvesse a bordo todo o tipo de relação sexual entre os quatro, ficando até difícil dizer-se de quem eram os filhos de Mary e de Anne. Talvez de Rackham mais certamente ou do Roberts de casaca vermelha com estampas de flores douradas que rezava missa e desejava boa conduta a bordo. Não tomava rum como todo mundo. Tomava chá. Entre as duas, a julgar pela atração do primeiro encontro até que Mary revelasse que estava vestida de homem mas que era mulher, não se poderia descartar a hipótese de uma relação muito mais afetiva entre as duas. Mas não nos iludamos com Bartholomew Roberts. Ele e Mary atacaram as costas brasileiras, as de África, da América do Norte, enforcou o governador da Martinica Francesa, e impôs pesadas perdas à frotas mercantes de companhias britânicas. Afirmar alguma coisa sobre estes e estas piratas é temeridade. Podem ressurgir numa noite de nevoeiro e fazer-nos engolir as nossas más línguas.


® Rui Rodrigues






[1] Nassau foi fundada por Maurício de Nassau, de certa forma um pirata que andou invadindo Pernambuco no nordeste do Brasil. 


[2] Invadiu a rica cidade do Panamá saqueando-a para a coroa britânica, com 1.200 homens.
[3] No filme os Piratas do Caribe, o capitão Sparrow sugere tratar-se de Bartholomew
[4] Assim como Batman e Robin.

O naufrágio do “Santa Maria da Rosa”- Para ler com mais idade



O naufrágio do “Santa Maria da Rosa”


Esclarecimento

Não há criança que não se fascine com um modelo de uma nau ou caravela, daquelas que a partir de 1432 começaram a navegar ao longo da costa africana, cada vez mais para sul. São velas, cordames, mastros, roldanas, madeira, que levavam a aventura para mares que jamais se tinham navegado. Muitas naus e caravelas foram construídas das quais não se lembram os nomes, e são as que sofreram naufrágio as mais conhecidas porque deixaram “saudades”. As saudades é que escrevem livros. Neste texto, conta-se a história da “Santa Maria da Rosa”, uma fragata, vulgarmente conhecida como Santa Rosa construída em 1715, naufragada em 6 de setembro de 1726. Os dados foram pesquisados conforme links e a ambientação e hipóteses aqui aventadas levam as "pinceladas" deste autor.

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Pelo ano de 1715

No ano de 1715 apareceu o primeiro jornal oficial português, o “Gazeta de Lisboa”.

Tal como hoje, publicava notícias, anúncios mas nada de política porque reinava D. João V, 24º rei de Portugal, sem oposição. Em destaque o acompanhamento da construção naval para garantir a navegação das frotas mercantes portuguesas em mares infestados de piratas, e garantir o território e as colônias. Nessa época, Inglaterra e França disputavam os mares e dividiam o mundo entre si. Havia que ter cuidado não só com as nações, como com a pirataria cujo período áureo se iniciara em 1690 e se estenderia até 1730. Nesse período havia entre 1.000 e 2.000 piratas em sua maioria britânicos, infestando os mares. Mais de 2.400 naus e caravelas foram atacadas e capturadas. Ao pirata Bartholomew Roberts se atribuem 400 dessas baixas.

Atuavam principalmente no Atlântico sul em demanda dos galeões espanhóis que vinham de Cartagena de Índias na atual Colômbia, e dos portugueses do Brasil. Holandeses também atacavam as naus e comboios portugueses. O comandante de uma delas, a “Nossa Senhora do Rosário”, em 1648 vendo-se perdido em combate com a nau “Utrecht”, holandesa, esperou que os holandeses iniciassem a abordagem para por fogo no paiol. As duas naus foram para o fundo. Dos 700 homens a bordo da “N.S. Rosário”, sete foram recolhidos no dia seguinte. Não se esperava igual sorte para a fragata S.M. da Rosa que, na Ribeira das Naus em Lisboa, estava acabando de ser construída. Era um portento dos mares com seus 56 metros de comprimento, 1.100 toneladas, três mastros, armada com 70 canhões. Mas voltemos no tempo e vamos até a Ribeira das Naus...


A Ribeira das Naus e a partida da Nossa Senhora da Rosa




A Ribeira das Naus não é uma Ribeira. É um cais à beira do rio Tejo onde se construíam galeões e caravelas que percorriam os mares. O que nos chama a atenção é a imponência da fragata: Um portento dos mares com seus 56 metros de comprimento, 1.100 toneladas, três mastros, armada com 70 canhões, elevando-se, já com as velas enroladas, sobre o nível do cais. Depois eram os cheiros do cais. Suores curtidos de semanas e meses sem banho, misturados a cravo e canela que chegavam do Brasil, sacas de café, azeites, limões e laranjas para evitar o escorbuto, sardinhas salgadas em barricas, charque, vinhos e aguardentes que vazavam de um ou outro barril mal manuseado, a vozearia dos mestres e capatazes apressados, as imprecações, o cadenciado marchar dos destacamentos de fuzileiros experientes que chegavam com jovens arrebanhados á força, nas ruas de Lisboa, arrancados de suas famílias, para servir na marinha. Muitos pais somente saberiam que tinham sido engajados depois que a nau partisse. Muitos pais os empurravam para as ruas, nessa época, para que fossem escolhidos e pudessem ter uma vida digna. O balir de cabras e ovelhas embarcadas para garantir o leite dos oficiais, cheiro de bacalhau, de couro das fardas, o chiar de vergas com o vento, o trote de mulas e burros de carga. E a vozearia marcando o ritmo da pressa.
O mesmo cais a veria partir para a batalha do Cabo de Matapã (atualmente cabo Tenaro na Grécia)  em Abril de 1717. Ela fez parte da frota portuguesa de sete embarcações enviada pelo rei D. João V para, em conjunto com Malta, Veneza e outros estados, defender os interesses da Igreja católica contra os turcos que a ameaçavam. Veria ainda esta nau chegar e partir muitas vezes, agora protegendo os comboios anuais que iam para o Brasil com carregamentos da metrópole e voltavam carregados de couros, açúcar vendido a peso de ouro, fumo, ouro em pó, ouro em lingotes e pedras preciosas. Um bom carregamento poderia dar como paga a cada marinheiro, o equivalente a 36 anos de trabalho. A comida a bordo era sempre racionada e não raro os oficiais vendiam aos tripulantes, em mercado negro, a preciosa comida que lhes rendia um faturamento extra. Quem não podia ou pensava em economizar, caçava ratos e baratas na imundície que eram as naus daquela época, com água racionada usada apenas para cozinhar e beber. Poderiam levar mais água, mas havia que dar espaço para carga. A vida dos tripulantes era grátis. A carga, não.     

Sempre que partia, uma multidão no cais entre lágrimas, soluços, acenava com seus lenços brancos como numa última despedida recheada de esperança numa volta proveitosa. Viram as velas diminuir lentamente, na medida em que a nau se afastava levada pelo vento, rumo ao estuário do Tejo demandando o alto mar. Mas conheciam os números. Dos que partiam, em média só pouco mais da metade voltava. Em 1726, só três voltaram da Santa Maria da Rosa. A fragata, essa não. Levava a bordo além da tripulação de marinheiros, uma força de fuzileiros para defesa e ataque no abalroamento por nau inimiga ou para abalroá-la.

A volta - Partida do cais do Rio de Janeiro – Praça Mauá.

No dia 20 de março de 1726, o capitão Bartholomeu Freire comandando a NS Rosa, e a fragata NS da Nazaré partem para Salvador comboiando 18 naus mercantes numa viagem que duraria dois meses e quatro dias. Ficaram em Salvador mais dois meses e meio em operações de carga e descarga, e nesse ínterim, outras 37 embarcações se foram juntando à frota aguardando a partida na segurança das duas naus de guerra.  No dia 24 de Agosto de 1726 a frota partiu carregando cerca de 27 mil rolos de tabaco, 13 caixas de açúcar, 20 mil couros, milhares de cocos e um grande número de arcas e baús de jacarandá. Nestes baús e arcas, cerca de 10 toneladas de moedas de ouro, além de ouro em pó e barras alem de diamantes e pedras semipreciosas, divididas entre as duas embarcações de guerra, cabendo à Santa Rosa 6,5 toneladas que faziam parte do quinto da Coroa Portuguesa. As moedas de ouro, de 22 quilates, eram cunhadas no Brasil e marcadas com “M” se cunhadas em Minas Gerais, “R” no Rio de Janeiro, “B” na Bahia. No paiol da Santa Rosa, mais de 200 barris de pólvora para municiar os 70 canhões.

A tripulação dizia adeus ao Brasil, entre sorrisos e saudades das mulheres cheirosas que tomavam banho todos os dias, perfumadas, chiando tanto no falar como nas ruas do Chiado em Lisboa, que exatamente por isso tem este nome. Não veriam mulheres até chegarem a Lisboa, tantos meses depois. Por falta de mulheres, uns se divertiam com outros, afeminados, num regime espartano: Os comandantes sabiam disto, todos sabiam, mas quem fosse apanhado praticando o ato sofria punição.

O naufrágio


Logo no dia seguinte, 25 de agosto, a frota enfrentou uma forte tempestade em alto mar que durou alguns dias. Tão forte que o comboio se separa em duas partes. Uma, em torno da NS da Nazaré, que ruma a 6 léguas da costa tentando recuperar o rumo programado para a volta a Lisboa, e a outra acompanhando a NS da Rosa. No dia 6 de setembro, ao largo de Recife, depois das ave-marias, o que deve ter acontecido pouco depois das 18:00, na nau mercante “Vila Real”[1] que acompanhava a NS da Rosa, que carregara vinhos, azeite e peças de linho branco para o Brasil e agora carregava cocos, a tripulação estava em sua hora de descanso e recreio, recuperando-se do árduo trabalho a bordo e preparando-se para dormir nas incomodas redes amontoadas no convés e no tombadilho. Os grumetes, crianças entre os 7 e os 16 anos, aprendizes de marinheiro e que constituíam uma considerável parte da tripulação, dormia no convés. Foram os primeiros a ver uma grande explosão iluminando o anoitecer. O céu ficou iluminado. Podiam ver-se os rostos, as velas tingidas pelo alaranjado da explosão apesar da distância. Uma explosão dessas só poderia ser devida a pólvora, e a embarcação que carregava tamanha quantidade que provocasse uma explosão dessas somente poderia ser a NS da Rosa. Primeiro pensaram que se tratasse de ataque pirata e a ordem dos oficiais foi de reduzir o pano das velas e mandar a tripulação dos canhões para seus postos. Depois as ordens se alteraram porque não havia vela inimiga por perto. Com o mar ainda encapelado, rumaram para o local da explosão onde se viam os destroços. Chegando perto, botes foram lançados ao mar com dificuldade. Quando chegaram ao local, cerca de uma hora depois, já noite escura, não havia sinal da embarcação. Afundara quase que instantaneamente completamente desfeita. Corpos boiavam na água ondulando ao sabor.  Movimentos na água indicavam a presença de tubarões atraídos pelo sangue. Gritos chegaram de dois lugares. Sete homens agarravam-se aos escombros. Quatro estavam feridos. Recolhidos a bordo, contaram que houvera uma grande discussão entre o capitão Bartholomeu Freire de Araújo e o comandante dos fuzileiros. Nunca se soube ao certo sobre os motivos da discussão, nem quem desceu ao paiol para atear fogo à pólvora ou, por descuido, lançar chama ou faísca. Se foi discussão, e por causa dela alguém se suicidou assassinando todo o resto da tripulação, ou estava bêbado ou foi em desespero de causa, e pode entender-se se o desespero de causa estiver ligado aos lucros particulares ou á honra.

Dos sete sobreviventes somente três chegaram a Lisboa.

A “Gazeta de Lisboa” não publica o naufrágio

A partida e a rota das frotas mercantes eram sempre sigilosas. Com a França, a Inglaterra e a Holanda com piratas soltos no mar, enfraquecendo nações, minando-lhes os recursos, era conveniente o sigilo. Espiões eram mantidos nas principais cidades do Brasil, da Colômbia e do México para que os piratas pudessem ser avisados e isso tinha que ser feito com bastante antecedência. No caso da frota capitaneada pela NS da Rosa, havia um interesse maior: Ninguém poderia saber do naufrágio, porque o dinheiro e as riquezas que levava serviriam para o rei pagar os seus compromissos. Sem esse dinheiro teria que pedir emprestado a banqueiros e os juros subiriam astronomicamente. Era e é assim que ainda funciona o mercado. Outro motivo para o sigilo era a própria rota que, uma vez descoberta se tornaria vulnerável a futuro.

O valor total da carga em ouro, moedas, barras, pedras semipreciosas, está hoje avaliado em cerca de 2 bilhões de reais


A Gazeta de Lisboa só publicou o naufrágio no ano seguinte. Famílias das tropas e tripulantes angustiaram um longo e tenebroso ano. No Rio de Janeiro e Salvador, as namoradas esperaram em vão pela volta do NS da Rosa.

Rui Rodrigues


Leia mais em:

 




[1] Sem a relação das 55 embarcações que compunham a frota, adotei este nome fictício para dar uma visão da cena apreciada por alguém que estivesse fora da NS da Rosa. Talvez até existisse alguma embarcação com este nome. 

Piratas do Caribe – Bartolomeu “português” - Para quando tiver mais idade


Piratas do Caribe – Bartolomeu “português” - A lenda de Annie Palmer


Jamaica é um paraíso numa ilha cuja linha de maior comprimento corre quase paralela á linha do equador, em pleno mar do Caribe a sul da ilha de Cuba. Recomendo uma viagem até lá!


                                                     Piratas do Caribe e Port Royal


Demandando os portos espanhóis por ali passavam obrigatoriamente os galeões carregados de ouro vindos da Colômbia, mais precisamente de Cartagena de Índias ou da cidade do Panamá. Os piratas fundaram então uma cidade onde ficavam de tocaia aguardando a passagem de galeões e outras naus para assaltá-las: Port Royal (ou Port Royale, por influência francêsa). Um terremoto em 7 de junho de 1692, seguido de tsunami, destruiu e afundou Port Royale matando cerca de duas mil pessoas.  

A Inglaterra adquiriu a cidade de Port Royal da Espanha em 1655. Em 1659 já havia duzentas casas cercando o forte e em 1661 um bar para cada dez habitantes. Bebiam preferencialmente vinho e rum. Havia prostitutas em tal quantidade que chegou a ser chamada de Gomorra do Novo Mundo. Por lá passaram piratas famosos como Bartolomeu português, Henry Morgan, Bartholomew Roberts, Roche Brasiliano, John Davis e Edward Mansveldt (Mansfield). Muitos piratas se transformaram em mendigos gastando o seu dinheiro com prostitutas e rum. Segundo Charles Leslie, chegavam a gastar 2 a 3 mil peças de ouro numa noite, uma enorme fortuna. Por 500 peças alguns pagavam a mulheres apenas para ficarem nuas.  Era costume colocarem copos de bebida nas ruas e obrigarem quem passasse a beber com eles.
Como a Inglaterra não mandava dinheiro nem forças armadas para defender a cidade dos ataques de franceses e espanhóis, os governadores resolveram pedir ajuda aos piratas. Henry Morgan, o famoso pirata chegou a ser nomeado governador e de Port Royal atacou a cidade do Panamá, Portobello e Maracaibo.
Depois de Henry Morgan o comércio de escravos começou a ser mais importante. Em 1687 a Jamaica sancionou leis antipirataria e Port Royal se transformou num centro de execução de piratas. Foram enforcados Charles Vane e Calico Jack em 1720 e dois anos depois enforcaram 41 piratas.

                                                                Bartolomeu Português




Bartolomeu português é uma raridade em termos de pirataria. É o único reconhecido como tal em toda a história da pirataria do mar do Caribe e das Américas. Anteriormente a ele, apenas três são conhecidos: Gonçalo Pacheco, Mafaldo e Lançarote que atuavam por volta de 1443 no estreito de Gibraltar para atacar navios árabes e espanhóis que demandavam o golfo de Biscaia, a caminho da Galiza.
Bartolomeu português ficou famoso por ter estabelecido o primeiro código de regras conhecido como o “Código da Pirataria” usado pelos piratas a partir do século XVII. Não teve muito sucesso como pirata sendo capturado por varias vezes e conseguindo fugir. Chegou ao Caribe e a Port Royal na década de 1660.

A história de Bartolomeu português é agitada e frustrante. Com uma pequena embarcação de apenas 4 canhões e cerca de 30 homens, assaltou e apresou um galeão espanhol ao largo de Cuba com 70.000 dobrões de ouro e um grande carregamento de cacau. Tentou navegar na direção de Port Royal, mas fortes ventos empurraram-no para o Cabo de Santo Antonio onde foi capturado por três naus espanholas que o perseguiam pelo assalto ao galeão espanhol. Durante uma tempestade toma a nau onde estava e escapa, mas é obrigado a navegar na direção de Campeche, no México, onde é reconhecido e capturado pelas autoridades. Ficou preso a bordo de uma das naus espanholas, fundeada ao largo, e com uma faca roubada mata o vigia e volta a escapar usando jarros de vinho como bóia porque não sabia nadar. Em fuga, caminhou 190 quilômetros pela selva e alcançou um lugar conhecido como “El golfo triste” no este da península de Yucatán, onde encontrou um barco que o levou a Port Royal.  Volta então a Campeche com cerca de 20 homens e assalta a nau onde tinha estado prisioneiro com toda a sua carga. Faz-se ao largo e assiste ao afundamento da embarcação, perdendo toda a carga, ao largo de Cuba, próximo á Ilha da Juventude. Com a tripulação sobrevivente Bartolomeu regressa novamente a Port Royal de onde saiu mais uma vez para o mar. Nada mais se conhece dele desde então. Segundo o biógrafo Alexander Olivier Exquemelin morreu na maior das misérias do mundo. Há quem diga que foi na ilha de Tortuga, uma zona neutra de piratas, onde costumavam vender os espólios de suas atividades para não pagarem os impostos exigidos em Port Royal e nas outras cidades piratas da região.


                                                           A lenda de Annie Palmer





Saindo de Mo Bay e na direção de Rio Bueno e Ocho Rios, chega-se a uma casa imponente, de arquitetura georgiana, construída na década de 1770, sede de uma antiga fazenda: Rose Hall Plantation. Em princípio nada tem a haver com piratas, mas a lenda sobre a proprietária faz parte do folclore jamaicano. Foi chamada de “a feiticeira branca”.

Annie Palmer, nasceu na Inglaterra, filha de mãe inglesa e pai irlandês. Passou a maior parte de sua vida no Haiti. Com a morte dos pais por febre amarela, foi adotada pela babá, que segundo reza a lenda, praticava vodu e lhe ensinou as artes da feitiçaria. Mudou-se para a Jamaica e em 1820 casou com John Palmer, o dono da Rose Hall Plantation, a leste de Mo Bay. John Palmer teve morte suspeita, assim como os outros dois maridos posteriores de Annie. Dizem que foram vítimas de Annie. Sozinha e tendo que comandar a plantação, dizem também que usava o vodu para aterrorizar os escravos. Dizem muita coisa sobre Annie: que dormia com os escravos e depois os matava, como no levante escravo de 1830. Um escravo chamado Takoo, amante dela tinha uma neta. Annie era apaixonada pelo marido dela. Não podendo tê-lo como amante, teria feito uma prática vodu em função da qual essa neta veio a  falecer.  Ao descobrir isso, Takoo matou Annie e fugiu para o mato onde foi descoberto e morto por dois outros escravos também seus amantes. Os novos proprietários disseram que uma empregada deles teria sido “empurrada” de uma varanda pelo fantasma de Annie. A empregada partiu o pescoço e morreu.

Depois de ouvir esta triste história, soube que quem tinha casado com John Palmer foi uma tal de Rose Palmer e que realmente teve mais três maridos depôs desse. Ela era, segundo investigação em 2007 por Benjamin Radford, uma mulher de inabalável virtuosidade. A confusão toda provem de um romance jamaicano escrito em 1929 por Herbert G. de Lisser. Poly Thomas, autor do livro “Rough Guide to Jamaica” também atesta que a confusão provém desse romance.

Para manter a lenda em Rose Hall também oferecem passeios noturnos que se concentram na lenda de "Annie Palmer": supostos locais de túneis subterrâneos, manchas de sangue, assombrações e assassinatos. As sessões também são realizadas na propriedade na tentativa de evocar o espírito de Annie.

Jamaica No Problem

Rui Rodrigues

Maya e o elefantinho.

Maya e o elefantinho.

Tenho duas netinhas. Uma eu vejo sempre que podemos e é real. A outra é igualzinha a ela, mas faz parte de minha saudade, de minhas lembranças. De vez em quando vivemos histórias fantásticas juntos.

Como esta, por exemplo...

1.    Maya e um elefante numa ilha 



Numa viagem a uma ilha do Caribe, perto de Puerto Bolívar, no norte da Colômbia, o navio em que viajava partiu de repente e ela ficou sozinha na ilha porque se tinha afastado seguindo um pequeno elefante que se banhava nas águas do mar. Ele era muito engraçado, parecia uma criança que pela primeira vez tinha visto o mar. Sua mãe e a avó, ambas a bordo estavam desesperadas, mas o capitão do navio não voltou atrás para apanhá-la alegando que não tinha ordens para voltar atrás, nem combustível. Se o fizesse não chegaria ao porto mais próximo no trajeto previsto que era em Curaçao. A única coisa que ela tinha era um pacote de biscoitos e uma garrafa de água em sua mochila, umas conchas que apanhara para mostrar ao avô, um estojo de pintura e cinco reais que a mãe lhe dera e que era para gastar se precisasse de alguma coisa. Quando Maya se deu conta que o navio zarpara, vendo-o passar ao longe, logo pensou que estava sozinha e que tinha de sobreviver até o navio voltar. Podia ser que desse a volta, e ali ficou esperando. O elefantinho fez-lhe companhia todo esse tempo, cheirando a bolsa por causa dos biscoitos. Não havia mais ninguém na ilha. Estavam sós. Ao longe o navio que era tão grande, agora não passava de um pequeno ponto longe, muito longe na linha do horizonte. Em seguida desapareceu e veio a noite.


Quando amanheceu, o pequeno elefante começou a empurrar Maya para o mar. Maya não queria ir. Depois de várias tentativas, Maya acedeu. O elefante entrou na água e Maya montou nele. Maya sabia nadar, e o elefantinho também. Pensou que o elefantinho só queria se divertir, mas quando se deu conta, já estavam a uns cinqüenta metros da praia. Maya não entrou em pânico. Nada disso. Cada situação era uma situação. Ainda tentou dar umas palmadinhas numa das orelhas do elefante para que ele virasse no sentido da praia, mas parecia que Trombeta não a escutava. Ela falhou-lhe na orelha:
-Volta elefantinho senão a gente vai se afogar! Volta elefantinho...
Mas ele não a entendia. Pelo contrário. Borrifava-lhe água com a tromba e lá foram oceano adentro. A partir daí ela começou a chamá-lo de “Trombeta ”.

2.    Krill, a baleia assassina, se junta a Trombeta e Maya.


Há varias espécies de baleias, mas aquelas redondinhas, brilhantes e lisas, malhadas de preto e branco, matam para comer. As grandes só comem pequenos peixes distraídos, e um tipo de camarão muito pequeno, vermelho chamado de krill. Ela apareceu de repente bem em frente a eles, e abriu a bocarra enorme cheia de dentes para comer a tromba de Trombeta , mas ele deu um grito que parecia uma trombeta e pareceu ter assustado a baleia, mas para surpresa dos dois, ela pareceu sorrir e começou a assobiar imitando a trombeteada do Trombeta .  Fizeram amizade os três. Maya porque tinha dois bons companheiros.Trombeta  porque Krill lhe trazia peixes para comer e saciar a sede (peixes chupados têm água e não é salgada) e Krill porque se encantava com as trombeteadas de Trombeta  e de vez em quando ainda lhes dava um empurrão. Parecia que iam de lancha e Maya tinha que se agarrar às orelhas de Trombeta  para não cair. Mas nada de enxergar terra. Nadavam sem saber para onde iam, e já se haviam passado dois dias. Os biscoitos de Maya tinham acabado.

3.    O pára-quedista


Ploft! Foi o que os três escutaram e pararam de nadar, justamente quando Maya mais estava gostando. Ela estava segura entre o Trombeta, seu amigo elefante, e Krill, sua amiga orça, que nadavam lado a lado, Maya no meio dos dois. Olharam para trás e havia um pára-quedas no mar. Parecia vivo, até que levantando uma ponta do pára-quedas emergiu a cabeça de um garoto de seus oito anos que os olhou primeiro assustado, depois admirado, arregalando os olhos. Krill voltou-se e começou a nadar em volta do garoto, mas Maya e Trombeta gritaram bem alto e Krill entendeu que não era para fazer mal ao garoto. Então a baleia orca se aproximou bem devagar dele e carinhosamente o empurrou até bem perto, ao alcance da mão. Ele se soltou do pára-quedas, enrolou-o e disse:
- Chamo-me Beto... O avião em que viajava caiu lá atrás e eu e o piloto saltamos de pára-quedas. Não sei onde ele foi parar, porque depois que saltamos não o vi mais. E que coisa é essa de você estar com uma orca e um elefante no meio do mar? Nunca vi disso!


Maya então explicou toda a história desde a ilha em que fora deixada pelo navio fujão até seu encontro com Krill, a orca assassina. Ficaram amigos e agora já eram quatro. No dia seguinte, Beto desenrolou o tecido do pára-quedas e se cobriram para se protegerem dos raios de sol. Maya e Beto ficavam sempre em cima do Trombeta que agora era um excelente comedor de peixe. Conversavam muito. Beto contava sua preocupação com o piloto e com seus pais que não sabiam onde ele estava. Era exatamente o que Maya pensava também. Imaginava sua família procurando por ela. Se vissem um avião, teriam que fazer sinais. Krill, a orca assassina não parava de trazer peixes para o grupo. Quem comia mais era o elefante que estava sempre alegre. Para dormirem, faziam turnos. Enquanto Beto dormisse, Maya não dormia, e assim fazia Beto. Beto dividiu com os amigos o lanche que trazia na mochila junto ao peito. Havia só dois pacotes de biscoitos doces e duas embalagens de leite de chocolate. 

4.    O submarino


   
Já se haviam passados seis dias e continuavam todos no mar. Beto e Maya estavam admirados como o elefantinho Trombeta não se cansava. Ele era forte, mas depois que repararam que ele não nadava. Ele boiava e o que os fazia afastar-se da costa, mar adentro, alto mar, eram as correntes, que são grandes quantidades de água que se movem porque têm temperatura mais fria e vêm dos pólos onde o clima é muito frio, gelado. Há uma que se chama corrente do Golfo e de tanto se afastar do pólo, virou corrente quente. Aqueceu-se. Estavam exatamente viajando nessa corrente. Krill a orca estava caçando peixes para trazer para o grupo, o elefantinho sempre rindo estava boiando com Beto e Maya no dorso, quando de repente surge um submarino estranho, todo de vidro e aço.
 Apareceram dois homens e duas mulheres vestidos de preto com roupas de mergulhador. Tinham uma caveira branca desenhada no peito, e não se viam os rostos. Só uma parte. Maya e  Beto se olharam e se agarraram um ao outro. Maya perguntou-lhes: - Quem são vocês?
Beto mesmo respondeu: - Acho que são piratas. E falando mais alto, perguntou: Vocês são piratas?


Uma das mulheres disse: - Vocês são Beto e Maya, não são?
- Somos! Disseram as crianças. – Como sabem o nosso nome?
- Porque temos radio e televisão aqui dentro do submarino. Estão todos procurando por vocês... Subam a bordo!
- E o Trombeta e a Krill? Perguntaram juntos.
- Temos lugar para eles, disse um dos homens. E fez um gesto. Logo em seguida um guindaste desceu um cabo com um gancho enorme. Dele saiam umas cordas com umas esteiras de pano forte presas. Enquanto as crianças subiam a bordo já Trombeta e a orca eram içados. Krill foi para um tanque lá dentro fazer companhia a duas tartarugas e um peixe elétrico. Trombeta foi para um cercado junto com dois esquilos, uma águia e três coelhos.

Sem querer, Maya escutou um dos homens dizer para o outro: - E então? Entregamos os garotos ou pedimos resgate?


1.    O submarino voa.


Já no beliche lá no fundo do submarino, Maya contou para Beto o que tinha ouvido. – São bandidos! São bandidos! Disse Beto.
Maya contestou: Não!... Não... São piratas. Eu sei que até já tive um aniversário de piratas e eles costumam fazer visitas á praia de meu avô. Alguns são legais. Outros não. Um dia deixaram um balão daqueles que flutuam preso num barbante a uma pedra. O balão era uma cara. Isso foi de noite. Quando escavamos debaixo da pedrinha que segurava o balão, eu meu avô e meu tio Beto - meu tio também se chama Beto -  os piratas tinham deixado lá uma caixa de bombons pra mim.
- E então que fazemos? Perguntou Beto.
- Nada... Vamos esperar para ver o que fazem. Se houver algum celular por aqui ou computador, nós nos comunicamos com minha mãe, e eles vêm nos procurar. Vão trazer aviões, submarinos e barcos de guerra.


Já era o sétimo dia que Maya estava longe da família. Mas não chorou! Sabia que tudo daria certo. Era apenas uma questão de tempo. Almoçaram na mesa do comandante e dos ajudantes dele. Gostaram muito da sobremesa: Bolo com cobertura de doce de algas com framboesas e chantili. Na mesa não eram muitos. Uns sete ou oito. Depois de almoçarem foram levados para a frente do submarino, debaixo de uma cúpula de vidro e viram o fundo do mar cheio de corais, peixes, tartarugas. Depois foram visitar seus amigos, o Trombeta, o elefantinho, e Krill a orca que de assassina não tinha nada. Ambos falaram com eles em sua língua – trombeteadas e silvos, e pareciam muito felizes e bem alimentados. Finalmente, pelo entardecer, o submarino foi à superfície, emergiu. Tinham ficado imersos aquele tempo todo e não tinham sentido nada. Logo que o submarino emergiu mandaram que se sentassem numas cadeiras, lado a lado. Então uma cúpula baixou, uma haste de metal subiu, ouviram o som de um motor e logo estavam voando. Havia um helicóptero disfarçado no próprio submarino que podia soltar-se e voar. Além deles estava um piloto e um co-piloto ambos vestidos de preto com a caveira branca no peito.    

2.    De volta à ilha

Em menos de uma hora já estavam na ilha. Desembarcaram do helicóptero. O piloto disse para Maya:
- Você não lembra de mim, mas eu lembro de você! De vez em quando você vai lá na praia do Peró, não vai? Maya assentiu com a cabeça. O pirata continuou:
- Você é uma menina muito legal. Eu gosto de você. Por isso já avisamos a família que vocês estão aqui. O elefantinho e a orca vão chegar em umas duas horas, antes que alguém volte à ilha para buscar vocês, talvez ainda hoje à noite ou amanhã de manhã. Adeus!
E partiram deixando dois sacos na praia.
Logo em seguida, Beto e Maya abriram os sacos. Num havia uma barraca branca. No outro, tinha tudo: Biscoitos, salgadinhos, água, sucos e leite de chocolate. Até papel higiênico, escovas de dente, pasta de dentes, e uma lanterna.



Beto e Maya viram chegar à noite o elefantinho, Trombeta e a orca krill. Chegaram também as tartarugas, os esquilos e os coelhos. À luz de uma fogueira, ficaram conversando até quase de manhã. Quando o barco de resgate chegou com as famílias, estavam dormindo. Junto à água, Krill dava silvos e Trombeta trombeteava. As tartarugas estavam pondo ovos numa cova na areia. Todos estavam muito felizes.

Depois dessa aventura, voltaram à ilha muitas vezes para ver seus amiguinhos, mas Maya agora tinha uma amiguinha muito particular em casa: Uma gatinha! Parece que se chama Canjika... Nome muito lindo!

® Rui Rodrigues.