Infância
é aprendizado. Exceto os aspectos sob a égide do masculino-feminino, o resto do
aprendizado é idêntico para ambos os sexos. Nenhuma diferença. Minha neta é a
segunda prova disso, a primeira foi minha filha, porque participei da educação
das duas. Infelizmente, da minha neta, muito pouco, quase nada. Digo
infelizmente porque gostaria de participar mais, não porque faça falta. Minha
filha é mãe muito competente. Chego a achar, por vezes, que ela que é a avó, e
a avó a bisavó, eu o bisavô. A mãe dela é uma avó! Gostei desse aspecto!
Minha
neta me faz voltar aos tempos daqueles momentos em que nos lembramos dos
momentos felizes de nossa infância. Sinto-me um amiguinho dela quando estamos
juntos, e não o avô. Mas o mérito é todo dela. É ela que me faz e não eu que a
faço. Por mim seria um pouco mais “alemão” com ela, mas jamais me permite- e me permiti -isso...Ela é impecável!... E com seis anos recém feitos, pouco passa dos cinco, lê
tudo, até a palavra “palhaçada” num álbum de férias da “Mônica”, que a mãe lhe
comprou numa banca de jornal em Cabo Frio e que ela colore com todo o cuidado e
as melhores combinações de cores, preenchendo os espaços sem “borrar”. Nenhuma
historinha atual traz imagens de bondes, que lá na terrinha onde nasci chamamos
de “elétricos”.
Na minha
infância havia. Amarelos fechados para primavera outono e inverno, e os
vermelhos que lá se chamam de “encarnados”, abertos, para o verão europeu que é
quente. Quente e seco, abafado, assim como em Porto Alegre, no Rio Grande do
Sul. A maioria de nós, brasileiros, não se lembra do que é andar de bonde, e
por terras imensas, de largas avenidas, não tem como saber o que é viajar num
bonde em ruas estreitas, cujas portas, janelas e pessoas passam zunindo, a
jato, que nem dá tempo para ler o numero dos prédios e casas, nem quase o rosto
das pessoas porque a velocidade não deixa. Pois foi com os bondes que aprendi
minha técnica de leitura dinâmica. Eu era um pouco mais velho. Já tinha sete
anos quase acabados, quando aprendi a ler. Tal como minha netinha, eu queria
ler tudo. Aprendi a ler a jato sentado numa cadeira de bonde, e tentando ler
cartazes de anúncios e tabuletas de lojas... Muitos outros passageiros devem
ter achado que eu era maluco, porque volta e meia torcia o pescoço só para
acabar de ler o que estava escrito na tabuleta. Muitas vezes me deparei com
passageiros no banco detrás acompanhando o meu olhar não fossem perder alguma
coisa que eu vira e eles não. Pessoas são assim mesmo. Todas querem ver o que
os outros estão vendo, mas não treinam para ver. Com aquela idade, e se bem
entendi o Freud, quando olhava os rostos de pessoas que via passar feitos
relâmpagos, eu deveria estar procurando algum rosto conhecido naquele mundo
imenso de uma Lisboa cheia de desconhecidos simpáticos que muitas vezes me
ajudaram quando pedi informação ou de moto próprio se acercaram de mim
perguntando se estava precisando de ajuda.
A
leitura nos abre caminhos para um mundo totalmente novo. Amplia os horizontes.
Acho até que é a primeira responsável pelo crescimento do volume cerebral. É
preciso ter mais massa cinzenta para decorar tudo o que se lê, raciocinar sobre
o que se leu, definir uma avaliação ainda que seja temporária, e guardar como
numa biblioteca. A biblioteca, cérebro ou cachimônia, tem que ser muito grande. Para se
ter uma ideia prática do que estou tentando dizer, aconteceu com minha netinha
em Búzios.
Antigamente, antes de aprender a ler, ela passaria pelo cartaz,
talvez louca para saber o que estava escrito, o que eram aquelas letrinhas no
cartaz, e passaria batida sem dar mais atenção. Ah... Mas agora sabe ler.
Então, parou em frente ao cartaz e leu: “Táxi” e mais alguma coisa que lhe fez
dar um estalo, puxar o braço da mãe e dizer: Olha mãe... Táxi para a praia...
Eu queeeero! E como iam mesmo para uma praia daquelas, foram de táxi. Quando
criancinhas que sabem ler e perguntam o que é aquilo, já não dá pra dizer que
“não é nada que te interesse”... Crianças por vezes se deixam enganar para não "criar" caso. Elas sabem ler !
Não acho que, particularmente, minha netinha se pareça comigo, mas é quase igual àquela criança que eu fui. Agitada e louca por leitura.
Não acho que, particularmente, minha netinha se pareça comigo, mas é quase igual àquela criança que eu fui. Agitada e louca por leitura.
® Rui Rodrigues
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